terça-feira, 10 de maio de 2011

O Universo da mosca

o Universo,
segundo alguns poetas,
é de natureza passageira
como um muro de memórias
que desce um dia descerá

talvez pudesse ser algo mais
um pensamento
escondido atrás do sol
que certamente escasseará
e com ele o Universo desses ditos poetas
que não existe nunca existiu
para lá do sol

há algo de febril nesta imperfeição
(imposta, diria)
de seguir o voo da mosca
que define a luz
como algo que a não matará
e em fé lhe entrega seu último voo

alguns poetas acreditam
neste tipo de Universo
que não existe para lá do sol
e um piano continua a brincar
com o seu escravo
mais um poeta mosca
em queda livre ao sol

alguns poetas escrevem
sobre o Universo
acreditam no saber puro
masturbam a mente aos sons de bico
e aromas de pétala
poetizam tudo
menos a carne percutida
que prolonga as noites da minha espécie
(essa é que é a minha poesia :)
para eles o ar tem de ser ideal
limpo sujo, não interessa, mas ideal
e lá vagueiam por jardins
vagueiam religiosamente
e respiram o ar que lhes generosamente
desflora a poetização da pétala

não sei que diga...
pensar sobre o Universo de alguns
faz-me sentir como mosca em fé
de seu último voo
não é algo que me interessa
quem tem asas que voe
viva os seus sonhos
e caia morto de sonhar

não sei que diga...
só gostaria de saber
por onde andam as almas livres
os imunes sem asas
(pois voar é desnecessário)
fiéis nas suas infidelidades
ao mesmo sol de onde nascem
os jardins de todas as cidades
enfados de sons de bico aromas de pétala
risos choros e passos de relva
acordes de gritos e ladridos
estátuas de gente insignificante

esses é que são os da minha espécie
imunes a toda essa coisa
de beleza imposta
que quase sempre exige aprendizagem
“tens de amar”,
dizem os poetas moscas
em fé de seu último voo,
“tens de amar as pétalas
sejam de flor
sejam de jacaré
tens de amar as pétalas”

eles não reconhecem a beleza
da apatia ao sol
das paredes
do silêncio intermitido
pela carne percutida
ou da despoetização de algo tão insignificante
como o Universo de alguns
e as estátuas de outros.


(Zagreb, 10 de Maio 2011)

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